quarta-feira, 19 de outubro de 2011


Nos corredores do nomadismo global

José Manuel Figueiredo Santos
Doutor em Sociologia
Professor Coordenador da
ESGHT
jfsantos@ualg.pt


Resumo: Neste artigo exploram-se alguns traços compreensivos que dotam de
sentido a experiência neo-residencial algarvia de indivíduos provenientes de UE
a 15[1].
No quadro dessa experiência modeladora de
vidas alternativas às vividas nos seus países de origem centra-se, em
particular, na questão de saber se ela significará apenas um território de
residência ou se, pelo contrário, o imaginário turístico destes indivíduos, ao
cruzar-se com uma percepção de oportunidade de um modo de vida mais
resplandecente, projecta na região novas formas de se reinventarem como actores
sociais, desafiando concepções tradicionais de
turismo.

Palavras-chave: migrações, mobilidade, neo-residencialismo,
turismo residencial, experiência.

Introdução

Hoje vive-se um estado
complexo da cultura em que a experiência humana se inscreve numa multiplicidade
de códigos, de novas condições de uso, de novos trajectos nos circuitos dos
sentidos, permeados por uma trama de agenciamentos que articulam sujeitos,
figuras, mundos diversos e simultâneos, imaginários carregados de hibridismo, circunstâncias
que colocam dificuldades analíticas às ciências sociais.
Dessa complexidade não
se subtrai um campo do saber preocupado com as várias interfaces entre turismo
e migrações, buscando contribuir para o enriquecimento da teoria turística a
partir desse eixo mais abrangente dos estudos da mobilidade. Trata-se de um ponto de partida que tem subjacente
a ideia de que o turismo e as migrações constituem duas manifestações desse
fenómeno que cabe nas margens, partilhando, ambas, motivações e objectivos que
os situam em esferas porosas[2].
Na
verdade, a contrastação clássica evidencia sintomas de erosão, tanto mais que
as inter-relações entre fluxos turísticos e migratórios são cada vez mais
complexas e intensas, até pelo despontar de novas experiências de carácter
nómada, moldadas pela exposição dos indivíduos a duas ou mais das tradições
culturais envoltas no regaço globalizador.
A reflexão sobre as
conexões entre turismo e mobilidade requer uma
interpelação sobre o seu funcionamento e as suas lógicas.
Na
verdade, enquanto alguns deslocamentos sazonais se convertem em migrações
definitivas, fazendo do turismo uma actividade sedentária[3],
a aceleração de outras migrações temporárias, que assumem múltiplas formas, nutrem
o mercado. Os fluxos estimulam-se reciprocamente e os turistas insinuam-se com
vantagem nestes espaços turísticos, que os imigrantes utilizam igualmente na
sua lógica de deslocação para as regiões mais desenvolvidas.
É nesse cenário que
ganha pertinência o estudo do “neo-residencialismo”, como uma das faces do
neo-nomadismo contemporâneo, que acompanha as trajectórias pós-metropolitanas
de indivíduos que preconizam quotidianos alterativos aos vividos nos seus
países de origem.
Os estudos sobre este continuum têm tido pouca
representatividade nos meios académicos mundiais, pese embora as incursões ao
tema, realizadas por autores como Kaplan (1996), Rojek e Urry (1997), Lasch e
John Urry (1994) e Williams e Hall (2000), sejam indicativas de que ambas as
experiências têm muitos pontos em comum na história contemporânea[4].
De há
muito, nomeadamente desde a emergência do turismo contemporâneo, que as
mobilidades turísticas têm sido pensadas, como estruturas espaciais circulares,
emanadas de uma residência principal que se opõe a um espaço de «fora».
Contudo, as experiências pessoais de mobilidade e nomeadamente as experiências
de residências múltiplas estão a desafiar os pressupostos em que tem assentado
uma visão clássica da espacialização turística, pensada no estrito cadinho
dessa circularidade espacial da vida social.

Afloramentos
teórico-metodológicos

Pese embora o domínio empírico da pesquisa que suporta esta
reflexão seja muito limitado[5], entendeu-se oportuno
partilhar este
estádio embrionário da investigação que, passo a passo, permitirá um conjunto
de proposições teoreticamente mais fundadas e capazes de aprofundar o
neo-residencialismo enquanto realidade social, a par de argumentos mais
operacionalizáveis que sustentem os postulados teóricos e as conclusões mais
gerais sobre o tema.
Nesta recolha de dados[6]
poderá parecer estranha a indefinição das características da população
inquirida. Com efeito, a grande variedade de situações concretas em que se move
o neo-residencialismo dificulta, ao momento, a sua precisão, à parte do
objectivo mais imediato se centrar na clarificação das diferentes situações que
se prestam a este tipo de estudo. Daí que seja significativo que a definição
deste tipo de trabalho se realize a partir da experiência, algo ambígua, e de uma
definição imprecisa do objecto da pesquisa, ou seja uma população originária da
União Europeia a 15, que reside de forma temporária ou permanente no Algarve, e
cuja trajectória migratória não se tenha devido, na sua emergência, a causas
laborais[7].
Neste
contexto, a pesquisa integra um universo de indivíduos que, segundo Leontidou e
Marmaras (2001), podem ser empresários misturando lazer e negócios, indivíduos
em busca de formas de vida alternativas, como artistas ou intelectuais,
migrantes reformados, ou até emigrantes que retornam com um alto nível de vida.
Trata-se, no fundo, de analisar os estilos de vida de expatriados que, numa
trajectória transcultural, decidem permanecer na região, num quadro de mobilidade
e de espiritualidade próprias de uma cultura de individualismo expressivo,
inerente a uma sensibilidade cosmopolita.
No seio de um
trabalho que sugere o desafio a uma desconstrução das
oposições equacionadas no seio das espacializações tradicionais do turismo,
interessa observar a relação simbiótica entre o imaginário geográfico do
turismo internacional e o neo-residencialismo que, em hipótese, poderá assumir
diferentes expressões no seio de uma mobilidade complexa[8].
Tratando-se
de novos modelos de expressão da vida sensível, que desafiam uma desconstrução
dessas oposições, eles revelam, no processo de modelização turística, modos
como o quotidiano e o turismo são objecto de entrosamento e de interactividade.
É na experiência desses actores, e na construção de complexas relações entre
espaços e lugares, que se inspiram as novas práticas multiculturais. Embora
estas novas relações revelem uma dificuldade de sinalização da mobilidade no
enquadramento turístico clássico, elas sugerem possibilidades de novas
espacializações em que o espaço “casa” pode inspirar novas práticas turísticas.
A consideração destas relações sugere possibilidades de novas espacializações,
ontologia e metodologias que deixam margem a muitas “casas” para o turismo
(Alison, 2009).
Numa
circunstância ou noutra, esta transmigração, seja ela mais ou menos
efémera, mais ou menos fluxiva, não pode deixar de ser interpretada como o
início de uma história para um indivíduo ou para um grupo que, no seu existir,
acaba por encerrar um convívio multiétnico de culturas e correspondentes desafios
múltiplos. Nesses corredores de circulação presente-se uma busca de caminhos
sustentada em projetos de vida; uma aventura que requer mudança de
comportamentos, entendimento de novos códigos, reformulação da rede de
significação cultural e uma disposição para o encontro com o Outro e para construção de novas
relações sociais, enfim, uma experiência excepcional na trajetória de um
determinado grupo social, que sempre implica um recomeço.
Daí que um dos eixos da
pesquisa passe por perceber que particularismos, ao nível da experiência
turística, é possível deduzir da interacção dos fluxos de cidadãos comunitários
“residentes” com as sociedades de acolhimento e de origem, constituindo, desde
logo, uma incursão nos registos que implicam circulação de sentido, remissões
de expressividade que se cruzam e se chocam, modelando trajectórias flutuantes
de formas e sentidos das práticas transculturais.
Para a compreensão da
forma como estes “residentes” lidam com essa experiência, não parecerá
despicienda a questão de saber se ela
se tomada apenas como um território de residência ou se, pelo
contrário, o imaginário turístico destes indivíduos, ao cruzar-se com uma
percepção de oportunidade de um modo de vida mais resplandecente, projecta na
região novas formas de se reinventarem como actores sociais, desafiando concepções tradicionais de turismo.
Num contexto de múltiplas
intercessões e reconfigurações da cultura, essas
pessoas poderão, não tender a se incorporar em qualquer uma das culturas a que
foram expostas, mas podem caber, confortavelmente, nas margens de cada uma. O que estas questões deixam pressentir é uma profunda ambivalência
na criação de um espaço social peculiar cruzado, por um lado com os turistas e
o turismo e, por outro lado, com os autóctones.
Se a intensificação
internacional das trocas não se dissocia as mobilidades crescentes nas nossas
sociedades, na medida em que elas reflectem as transformações dos modos de vida
modernos, tais mobilidades impõem algumas
reflexões prévias, que contextualizem esta problemática como campo de
excepcional potencialidade para testar os recursos heurísticos e as possibilidades
explicativas e interpretativas das ciências sociais.

1. Transformações contemporâneas da organização da
vida social

Entender
a experiência moderna a partir da compreensão dos impactos que os processos
globais desencadeiam na vida dos indivíduos, sugere um conjunto de reflexões
sobre alguns dos seus aspectos mais centrais e as suas implicações subjectivas
face às dinâmicas globais, mas em especial, sobre as formas de que se reveste a
“espacialidade da vida social”
contemporânea, como parte integrante dos seus sinais diacríticos.
Deste modo, deve-se
entender o rumo destas reflexões preliminares sobre a mobilidade, num contexto
de globalização, como placa giratória para a compreensão de algumas facetas da
sociedade e da subjectividade contemporâneas.
A
importância das características dos deslocamentos contemporâneos, assim como,
da formulação de novos instrumentos de análise, não passam em claro, entre
outros, a autores como Urry, que se referem a um “paradigma da mobilidade”,
como proposta para novas análises sobre a actualidade. Trata-se de um
paradigma inscrito no modo como a produção da vida social pressupõe tanto o
real quanto o imaginado e o simbólico no movimento dos povos, de lugar para
lugar, de pessoa para pessoa, de caso para caso.
Com
efeito, as novas formas de organização da vida social moderna,
longe de
possuírem um significado apenas conjuntural, de acontecimentos que assolam os
campos económico, social, cultural, político sugerem a produção de uma
transformação estrutural de longo alcance. Se é consensual afirmar o carácter
estrutural das actuais mudanças, o mesmo não ocorre em relação à interpretação
das mesmas, principalmente no que respeita ao seu impacto social e às
alternativas que elas podem colocar.
Perante
a nova realidade social parece imperativa a apropriação
de novos conceitos e categorias julgados imprescindíveis para a compreensão das
actuais configurações, dos seus movimentos e da sua “integração” ou organização numa
totalidade que transcende os mundos particulares. Nessa transcendência, uma das
formas de pensar as mudanças na actualidade passa pelos conceitos de espaço e
tempo, enquanto categorias sociais relevantes para a apreensão das
transformações recentes que têm desembocado numa série de imprecisões.
Tais imprecisões, ao procurarem identificar as novas formas de
organização da vida social como pós-modernas,
pós-industriais, pós-fordistas ou mesmo pós-capitalistas, apenas fazem pairar,
no seu seio, o espectro de que os princípios totalizantes da modernidade e do
iluminismo, incluindo os apelos à racionalidade, ao progresso e mesmo à
capacidade de representar a realidade, parecem fatalmente abalados[9].
Seja como for que se denomine essa
realidade, presente-se, nas correntes de pensamento que nela investem, algum
desnorte analítico resultante da falta de unidade evidenciada na abertura, no
pluralismo, nas mudanças operadas na passagem para uma ordem que transcende os limites
dos estados-nação. Dir-se-ia que a crise da Modernidade,
como crise do seu paradigma dominante e dos projectos históricos a ela
associados, se expande a todas as esferas culturais de valor. Da tecno-ciência à filosofia e às artes plásticas, vive-se a
interlocução com o inacabado, que não deixa de constituir fonte de
questionamento quanto ao seu sentido e direcção. Decadência ou renascimento,
agonia ou êxtase, estilo ou modismo, o
inacabado penetra a realidade contemporânea
como um espectro que invade o quotidiano dos indivíduos, onde o primado das
ligações se dirige mais aos signos do que às coisas (Baudrillard, 1995), no
seio de uma programação obsorvente da vida moderna.
Caracterizando as principais rupturas ocorridas na
modernidade tardia, Giddens observa não só o ritmo das mudanças que sediam o
seu dinamismo, como o seu próprio escopo, tomado pelas diferentes estruturas de
vida que nela têm lugar. De entre as fontes de dinamismo da modernidade destaca
a separação do espaço-tempo e o consequente desenvolvimento de mecanismos de
descontextualização dos indivíduos, isto é o “deslocamento
das relações sociais de contextos locais de interacção e sua reestruturação
através de extensões indefinidas de tempo-espaço” (Giddens, 2002).
Esta
constatação de que, na era moderna, a compressão do tempo-espaço é muito maior
do que em qualquer período precedente, e as relações entre formas sociais e
eventos locais e distantes se tornam “descontextualizadas”, remete para o
fenómeno globalizador que engendra uma multiplicidade de conexões entre
diferentes regiões ou contextos sociais, enredados na superfície da Terra como
um todo.
Se esta compressão se
desenvolve com um carácter extensivo, numa tentativa de ampliar activismos
económicos, sociais e culturais a todo o globo, incorporando nos territórios e
novos consumidores, bem como novas formas de produção e comércio, já a sua dimensão
intensiva visa induzir novas aspirações ao consumo dos que integram o mercado.
É
também sob o ímpeto dromosférico que desponta uma
multiplicidade de comportamentos convergentes no cosmopolistismo da vida
moderna, imbricada numa economia da avidez do consumo, como centro simbólico da
modernidade tardia, arrebatando os indivíduos para uma moral hedonista, em que
os valores se decalcam no prazer do uso de bens e de serviços.
Neste arrebamento fermenta-se o hibridismo cultural (Canclini,
1997), vertido
na possibilidade de os indivíduos optarem entre bens de múltiplas origens em
detrimento de uma fidelidade e identificação locais. Os indivíduos não definem
mais a sua identidade pelo consumo de bens da sua própria cultura, mas de
grupos culturais com quem se identificam à distância. Impera o sentido de
pertença a uma comunidade desterritorializada, na qual convergem interesses
comuns deduzidos da instantaneidade e da ubiquidade que contribuem, muitas
vezes, para a criação de laços mais fortes que os da proximidade física.

2. transformações
contemporâneas e o paradigma da mobilidade

Neste
panorama fluido, que faz do nosso tempo a era da mobilidade, pressente-se que o
termo funcione como figura de síntese, na qual se encaixam diferentes tipos de
movimentos populacionais, assim como as suas diversas inter-relações,
através de várias formas de comunicação (Lash e Urry, 1994). Compreende, em todo o caso, os movimentos de curta duração,
cuja distinção as inovações nos meios de transporte e de comunicações
têm baralhado.
Urry,
refere-se a um “paradigma da mobilidade”, como proposta para as análises dos
novos cenários com as ciências sociais se defrontam. As reflexões sobre a
questão da mobilidade, não são despiciendas no contexto em que Lash e Urry (1994)
consideram, como característica crucial da modernidade, o que designam de
“modernização reflexiva”. Uma reflexividade entendida como uma dimensão
cognitiva ou normativa, mas também estética. É, sobretudo, esta dimensão
estética que, relacionada ao crescimento da mobilidade e a um maior
“cosmopolitismo”, tem impulsionado a organização social das viagens e do
turismo.
A
afirmação de que a sociedade moderna é uma sociedade em movimento já não
surpreende. Todavia, a percepção do seu carácter intrínseco é recente[10].
Se a mobilidade pode ser objecto de enfoque a partir da tecnologia, que
propicia uma compressão espacio-temporal, tal não significa que estes autores a
ela se confinem. Eles buscam compreender a razão por que os indivíduos integram
a viagens como parte integrante de cultura moderna, e como se reconstroem
culturalmente com elas, afirmando que “as
formas rápidas de mobilidade têm tido efeitos radicais na forma como as pessoas
vivenciam o mundo” (Lash e Urry, 1994). É neste contexto que, mais tarde,
Urry (2000) confere um carácter mais central à mobilidade, afirmando que ela é
crucial no sentido em que não só dá forma como reforma a vida social e a
identidade cultural dos indivíduos.
Ao equacionar as
principais mudanças advindas da instantaneidade, Urry (2000) elenca: os foros
tecnológico e organizacional, que equalizam dia e noite, dias de trabalho e
fins-de-semana, casa e trabalho, casa e entretenimento; a descartabilidade de
produtos, lugares e imagens; a efemeridade das formas de trabalho, ideias e
imagens; a atemporalidade dos empregos, carreiras, valores e relações pessoais;
a oferta de lazer, entre outros.
É nesse primado indutor de uma inusitada aceleração e de profundas
mudanças que Paul
Virilio (2000) vai ao ponto de cruzar a negação do “fim da história” com a
afirmação do “fim da geografia”,
num registo em que as distâncias já não
importam, e a noção de fronteiras
geográficas é cada vez mais difícil
de sustentar no mundo real. O autor terá
chegado a temer que as tecnologias abolicionistas do espaço conduzissem o mundo
a um estado de inércia.
Contudo, esta compressão do espaço não redundaria em inércia, mas em mudanças radicais
nos comportamentos coadjuvados pela intensificação de fluxos de informação, que acabam por
colocar em contacto todos com todos, e principalmente com diferentes modos de
viver, pensar e sentir a vida, acabando por modificar o próprio conceito de
sociedade, de comunidade, de pertença, de trabalho e de lazer.
As
referidas mudanças vão ao encontro das interlocuções de Bauman (1999) com a
modernidade, ao sugerir que, na actualidade, todos vivemos em movimento e ainda
que, na sociedade de consumo, a mobilidade geográfica constitui um elemento de
diferenciação social fundamental, tendo-se transformado no mais elevado de
todos os elementos de estratificação social.
Na
perspectiva de Clifford (1977), hoje não há apenas indivíduos que viajam, mas
sim culturas itinerantes. Dir-se-ia que os produtores culturais, ao
deslocarem-se pelo mundo, levando consigo uma bagagem simbólica, tornam obsoleto
o paradigma da antropologia clássica do autóctone fixo à terra.
Num mundo globalizado,
a coberto de uma mobilidade inusitada, o pluralismo cultural é recolocado sob a
forma de redes, transformando-se cada espaço num feixe de relações sociais complexo,
num entrelaçar cada vez mais intenso de diferentes culturas. Num mundo
entretecido no rompimento ou na dissolução das fronteiras, das economias, das
culturas e das sociedades, tudo parece sobrepor-se, misturar-se, numa
multiplicidade de figuras híbridas.
Assim,
quaisquer que sejam as teorias explicativas que reenviem para a compreensão das
mudanças nos campos social económico e tecnológico contemporâneos,
confrontam-se com uma série de fenómenos que, sem serem novos, rompem com os
conceitos clássicos em que se têm baseado os estudos da mobilidade
contemporânea[11].

3.
Estratificações da mobilidade contemporânea

Da
vertigem da vida moderna não se subtraem os principais operadores discursivos
da mobilidade contemporânea; os fluxos migratórios e os turísticos, desenhados
numa escala internacional através de novas relações entre os modos e os lugares
de produção e de consumo.
Os resultados destas
transformações surgem vinculados ao estádio actual do que pode ser definido
como capitalismo desorganizado, a sugerir que já não é possível estabelecer
diferenças claras entre turismo e demais actividades, envoltas no manto das
viagens.
Com efeito, é também este crescendo de mobilidade que, ao fomentar
oportunidades de trabalho, em qualquer parte do mundo, provoca uma dispersão
migrante[12]
de tal amplitude que realimenta o ciclo do turismo.
Hoje é pacífico, para a
maior parte dos analistas, que as migrações se expandem em intensidade,
diversidade e complexidade, associadas a causas múltiplas e variadas[13].
Em face disso, as investigações actuais sobre a imigração incidem na
importância da diversidade dos movimentos migratórios e insistem na necessidade
de uma observação mais aprofundada dos mesmos. Em vez de um fenómeno estático,
fala-se de fluxos e de redes. Parte-se da assunção das suas características
dinâmicas e investigam-se os processos pelos quais passam os migrantes, bem
como a diversidade dos múltiplos protagonistas dos movimentos transnacionais que
transforma a visão tradicional dos mesmos.
Sobre a compreensão
actual do fenómeno De Lucas (2003), a partir da noção de imigração de Castles
(1993), identifica as principais características dos movimentos migratórios em
função dos seguintes eixos: 1) o aumento inusitado dos fluxos; 2) o incremento
da diversidade; 3) a ampliação da dualidade no tratamento desses fluxos,
distinguindo entre desejáveis e não desejáveis; 4) o incremento de uma
imigração circular, temporária e repetida, como consequência dos avanços
tecnológicos no domínio dos transportes e comunicações; 5) a importância
crescente da transnacionalidade, ou seja, de pessoas que ao orientarem os seus
projectos de vida, criam vínculos a duas ou mais sociedades, contribuindo assim
para o desenvolvimento de comunidades transnacionais; 6) o forte impulso que adquirem
as redes informais como forma de organização e comunicação que atravessam as
fronteiras nacionais e internacionais e escapam à lógica do Estado-nação,
criando novas identidades, poliédricas, complexas e inclusive contraditórias,
enquanto cosmopolitas e étnicas.
Na diversificação dos
deslocamentos humanos, as migrações têm mudado de figurino. Sublinha-se o facto
de os fluxos migratórios não terem mais origem e destino determinados, sendo
acometidos por um vaivém mais ou menos desordenado, com características multi-direccionais.
Com uma fluxividade intermitente, passam a acumular uma experiência de várias
saídas e várias chegadas, numa tentativa constante de se fixar, em que se torna
cada vez mais difícil distinguir entre idas e vindas. Cada chegada converte-se
num novo ponto de partida.
Não será acidental que
muito se fale de migrações pendulares, temporárias, rotativas, circulares,
enfim, de um permanente vaivém. Se houvesse lugar à construção de um mapa das
migrações, muitos rostos e rotas se entrelaçariam. Nesses cruzamentos
poder-se-iam encontrar os refugiados, as vítimas do tráfico de seres humanos e
do turismo sexual, os trabalhadores temporários, os que buscam as zonas
urbanas, os técnicos e diplomatas, os trabalhadores marítimos e aéreos, os
jovens e mais recentemente as mulheres, os ciganos, além de soldados,
peregrinos, deportados, etc. Quanto às rotas, elas cruzar-se-iam e voltariam a
cruzar-se nas direcções mais variadas, formando a rede inextrincável do nomadismo
global.
Se no seio dessa
mobilidade geográfica crescentemente complexa, e numa perspectiva global das
migrações, não é possível descartar os fluxos populacionais socialmente mais desfavorecidos,
também se torna imperativo considerar os movimentos migratórios de elites.
Poder-se-á
reconhecer que a mobilidade estimulada pela globalização não é um direito
universal e não acontece a todos da mesma forma. Apesar de constituir ainda um
privilégio relativo, o deslocamento, a viagem, a mobilidade, equivalem a termos
que convergem numa nova forma de estar na sociedade, obrigando a novos olhares
a partir das ciências sociais.
Embora por motivações
distintas, migram pessoas de todas as classes sociais: uns com uma lógica de
sentido lúdico, ou por causa de trabalho especializado, enquanto a maioria por
motivos de estrita sobrevivência.
É nessa lógica de
sentido turística que Carminda Cavaco argumenta que “[se] jogam ofertas novas,
atractivas e competitivas, favorecidas pelo encurtar de distâncias-tempo, pela
‘charterização’ e, sobretudo pela organização estandardizada fordista, mas
também ofertas diferenciadas, de produção flexível, alternativas e algo
elitistas” (Cavaco, 2003).
Ao
analisar o comportamento das classes médias altas, dos executivos e profissionais
liberais, Lash é incisivo na construção de uma relação de associação entre o
sucesso de tais classes e a sua mobilidade. Deduz-se da sua argumentação que
tais elites, em constante deslocamento, são detentoras de estilos de vida pouco
consentâneos com a diferenciação entre migração e turismo. A seu ver, as novas
elites incorporam o trânsito entre um estilo migratório e uma visão
essencialmente turística do mundo.

4. O neo-residencialismo como cultura de margens

A
evidência de que o turismo e as migrações têm sido analisados entre dois
extremos de um espectro da mobilidade, pode sugerir um posicionamento indevido,
a necessitar, senão de novos conceitos, pelo menos de uma redefinição e
reciclagem[14].
Certamente, essas categorias são elas próprias
influenciadas pelo ambiente social e cultural no qual têm lugar, mas é
relativamente às próprias fontes das representações instituídas, isto é, dos
lugares onde se elaboram como legítimas, que o investigador deve procurar
libertar-se.
Foi o que se preconizou fazer, ao explorar através
de algumas questões que estas
lógicas meridianas da migração suscitam,
procurando resistir a uma essencialização representacional que Appadurai
designaria de “congelamento metonímico”[15].
Para o efeito,
procurou-se trabalhar as conexões prévias dos indivíduos com o espaço. No que respeita ao conhecimento
prévio do lugar de destino, foram diversos os elementos de atracção apontados
pelos entrevistados como os principais, no momento de decidir a sua mudança
para o Algarve.

4.1 – Confrontos dos sujeitos com a decisão migratória

Entre as conexões mais
importantes, assinaladas pelos entrevistados, destacaram-se as afectivas
deduzidas das imagens favoráveis do espaço, dadas por familiares e amigos,
somadas à imagem de gregaridade étnica do mesmo.

Quadro I
Conexões com a decisão migratória






Frequency


Percent


Valid Percent


Cumulative
Percent




Valid


Conexões turísticas


20


31,3


31,3


31,3




Conexões afectivas


27


42,2


42,2


73,4




Conexões espacio-temporais


1


1,6


1,6


75,0




Conexões exorcizadoras do
quotidiano


3


4,7


4,7


79,7




Não responde


13


20,3


20,3


100,0




Total


64


100,0


100,0






Fonte: Elaboração própria, a partir dos dados relativos aos pré-testes
mencionados (2009).

Outros elementos como
sejam os enlaces matrimoniais e/ou convivência com cidadãos e/ou cidadãs
portuguesas também se configuraram importantes. Já no que respeita às conexões
turísticas, elas reportam-se à veneração do espaço deduzida de visitas
turísticas anteriores ao local ou a locais circundantes, e de visitas a familiares
amigos neo-residentes, em que um dos elementos de atracção mais significativos
reside no meio ambiente e no clima, com a iconografia marítima a marcar uma
forte presença. Observa-se que esta conexão surge amplamente corroborada por
outros estudos realizados sobre as “migrações de amenidade” (Rodríguez et tal., 1998; King et tal., 2000; Williams et
tal., 2000; Rodríguez, 2001). Neste domínio figuram ainda, embora sem
grande expressão, experiências motivacionais deduzidas do desencanto com os
modos de vida dos indivíduos com os padrões de vida dos seus países de origem,
por contraponto a um estilo de vida mediterrânico, como expoente de uma
concepção espacio-temporal mais humanizada. No seu conjunto, um estilo de vida
assente no lazer, numa vida mais relaxada, num meio ambiente natural e
tranquilo, o desfrute de um bom clima, praias limpas e um povo afectuoso
parecem enquadrar o conceito de qualidade de vida.
Vale dizer que, o que
parece ter-se constituído categorias mais centrais de atracção, responde pelo
paralelismo ou similitude com os elementos genericamente encontrados na decisão
de fazer turismo na contemporaneidade, pondo em relevo o vínculo estreito entre
o turismo e a experiência neo-residencialista.
Numa perspectiva mais
arrojada, dir-se-ia que estes grupos sociais parecem de tal maneira ter incorporado
o turismo na sua vida quotidiana que, paradoxalmente, apenas eles poderão ser
considerados como turistas a tempo inteiro.
As motivações
constantes do quadro anterior perecem consolidar-se na expressão que responde
pela questão de saber quais os atributos positivos atribuídos ao espaço.
4.1.1 – atributos
positivos

Aqui é possível
distinguir dois grandes eixos de atributos: os atributos de tipo ambiental, e
atributos de tipo sociocultural, designadamente os hedonistas e os estéticos.

Quadro II
Confrontos
dos sujeitos com os atributos positivos da região.






Frequency


Percent


Valid Percent


Cumulative Percent




Valid


Estéticos


13


20,3


20,3


20,3




Hedonistas


14


21,9


21,9


42,2




Idílicos


4


6,3


6,3


48,4




Ecológicos


29


45,3


45,3


93,8




Terapêuticos


4


6,3


6,3


100,0




Total


64


100,0


100,0

















Fonte: Elaboração própria, a partir dos dados relativos aos pré-testes
mencionados (2009).

No
que respeita aos atributos de tipo ambiental, (45,3%) destacam a paisagem e os
atractivos naturais, designadamente um clima muito mais quente e solarengo que
o do seu país de origem, os ares mais puros e a pouca poluição, numa conjunção
que favorece uma vida social mais activa.
Bem
expressivos são também os registos de matriz hedonista (21,9%), que se desvelam
em estados de prazer, de sensualidade, de qualidade de vida, associados a uma
vida mais informal, calma, ociosa e evasiva, relacionada com o estilo de vida
português. Os elementos hedonistas parecem concorrer com os atributos estéticos
do espaço (20,3%), referenciados pelo intimismo naturalista a que comparecem
atributos como país lindo e encantador, próximo da noção de autenticidade
suscitada por MacCannell, como algo primitivo, natural, que ainda está intocado
pela modernidade. Com menor expressão, mas com idêntica ponderação, surgem os
atributos idílicos (6,3%), associados à magia do lugar e à vida simples e
vantagens terapêuticas do clima para os problemas de saúde e para uma vida
saudável (6,3%). Este conjunto de elementos parece ser o que melhor se ajusta
ao processo de constituição de comunidades segundo nacionalidades, sem
integração com a cultura local.

4.1.2 – atributos negativos

Num virar de página
para a qualificação dos atributos da sua vivência local, avaliando aspectos positivos
e negativos da mesma, salienta-se uma forte contenção nas respostas a esta
questão.


Quadro III
Confrontos dos sujeitos com os atributos
negativos da região.






Frequency


Percent


Valid Percent


Cumulative Percent




Valid


Política urbana


6


9,4


9,4


9,4




Política administrativa


18


28,1


28,1


37,5




Não responde


40


62,5


62,5


100,0




Total


64


100,0


100,0







Fonte: Elaboração própria, a partir dos dados relativos aos pré-testes
mencionados (2009).

Todavia, verifica-se
que, praticamente, 28% dos respondentes são muito críticos em relação à
política administrativa do país, com menção preponderante para a burocracia e a
corrupção. Segue-se, com menor peso (9,4%) a política urbana com críticas à
densificação dos espaços à deterioração paisagística do litoral e à
descaracterização urbana. Estas críticas não surpreendem se se pensar que
dentre os diferentes traços que têm caracterizado o modelo de desenvolvimento
turístico algarvio alguns dos mais significativos e controversos tenham sido: o
espontaneísmo desenvolvimentista desprovido de uma planificação turística e
urbanística adequadas; a porosidade de fronteiras entre o desenvolvimento
turístico e o desenvolvimento imobiliário, a insistência obsessiva num modelo
homogeneizado quase exclusivamente baseado nas apetecíveis praias para
turistas.
4.2 –
Confronto dos sujeitos – vivências locais

A abordagem
das vivências locais, para além de estar marcada por uma percentagem
significativa de não respostas (48,4%), o que se compreende pela componente
comportamental que encerra, sugere a observação de alguns posicionamentos
culturais: dir-se-ia, mesmo com um exagero inerente a uma pesquisa
exploratória, que é possível encontrar


Quadro IV
Vivências locais típicas.





Frequency


Percent


Valid Percent


Cumulative
Percent




Valid


Esfera pessoal - vida social
activa


1


1,6


1,6


1,6




Esfera pessoal - vida social pouco
significativa


1


1,6


1,6


3,1




Esfera colectiva - aproximações


13


20,3


20,3


23,4




Esfera colectiva - distanciamentos
- etnocentrismo


18


28,1


28,1


51,6




Não responde


31


48,4


48,4


100,0




Total


64


100,0


100,0






Fonte: Elaboração própria, a partir dos
dados relativos aos pré-testes mencionados (2009).

algumas tipologias de experiências,
à semelhança do que se passa no domínio turístico, em estrito senso. Por um
lado, parecem perceptíveis comportamentos culturalmente encapsulados, que vivem
aprisionados por lealdades culturais conflituantes. Já não acompanham de perto
a realidade do seu país, mas acompanham um pouco à toa a realidade envolvente.
Têm dificuldades em definir os seus limites, as verdades da sua identificação
pessoal, fechando-se no isolamento, vivendo a sua situação de forma tão
singular que não vislumbram um grupo com quem se possam relacionar.
Para esta
esfera de distanciamento relativamente à comunidade local concorre, sobretudo,
a barreira idiomática e atributos negativos de pendor etnocêntrico associados à
ideia de atraso cultural dos portugueses, com preponderância para uma educação
deficitária e a imagem de um país desleixado (28,1%).
Outros
parecem dotados de uma marginalidade cultural cosmopolita, frisando com agrado
o facto de, no local, encontrarem uma mescla de nacionalidades e culturas.
Manifestam
a intenção de constituir uma parte da sociedade, não indo para além dela, e
procuram reencontrar a sua identificação na reconstituição simbólica das suas origens,
no reatar de redes de sociabilidade inscritas em matrizes étnicas.
Encontram sentido na
sua experiência como uma cultura marginal, (re)trabalhando a recomposição
étnica das relações de sociabilidade. Estão lá fora cá dentro. Desenvolvem uma
vida social activa (idas a restaurantes, bares e cafetarias), “a possibilidade de ter mais vida social”,
mas num quadro de associativismo intra-étnico. Dir-se-ia que a etnicidade, ou
na perspectiva de Portes, os “enclaves étnicos”, deixam aqui de ser vistos como
base de grupos corporativos e passam a ser incorporados na forma de laços que
podem promover um apoio afectivo, económico, social e simbólico no lugar de
“destino”.
Outros desenvolvem uma
espécie de marginalidade construtiva. Parecem prosseguir a luta pela
compreensão e afirmação de si, a par da compreensão das margens em que se
inscreve a sua marginalidade cultural. Encetam, pelo menos em aparência, um certo abandono dos seus self’s internacionais, a fim de experimentarem e assimilarem as
características da sociedade local. Pessoal
e profissionalmente exercem funções em ambientes que exigem o uso contínuo de
competências interculturais.
4.3 –
Confrontos dos sujeitos com o ambiente social

No confronto dos sujeitos com o ambiente social há um quadro de adesão
significativo à experiência vivida (64,1%), que tem como referência a
hospitalidade, a simpatia do povo português e a forma como as suas relações
interpessoais são facilitadoras da integração social. Dão apreço a uma busca
nostálgica de comunidade, “na aldeia
todos se conhecem”, embora a alusão à simpatia e hospitalidade dos
portugueses possa traduzir muito mais uma ideia de gentileza que de confiança
mútua.
A este tipo de referências talvez não seja alheia a ideia de que o homem
aldeão, com as suas sólidas relações sociais primárias e um universo simbólico
comunal, está nos antípodas do mundo urbano, caracterizado pelo anonimato e
pela mercantilização das relações sociais que, a terem lugar no espaço
receptor, poderiam provocar desestruturação na identidade cultural dos
recém-chegados.
Já a identificação
idiomática processa-se mais pelo viés da “população autóctone falar línguas”
que do conhecimento da mesma pelos próprios.

Quadro V
Tipificação das relações com o ambiente
social.






Frequency


Percent


Valid Percent


Cumulative Percent




Valid


Adesões


41


64,1


64,1


64,1




Resistências


3


4,7


4,7


68,8




Não responde


20


31,3


31,3


100,0




Total


64


100,0


100,0













Fonte: Elaboração
própria, a partir dos dados relativos aos pré-testes mencionados (2009).

As resistências (4,7%), estão patentes em expressões como “povo
reservado, desleixado, pouco culto”, revelando, talvez sem intenção, uma
postura neo-colonizadora, bem mais próxima de estranhos que vivem em busca do
sol, que a de indivíduos que tentam compreender a cultura local.

4.4 –
Confrontos dos sujeitos com o ambiente cultural

Na categoria da
valorização de novos signos culturais incorporam-se a dimensão sensorial e
interpessoal. Na dimensão sensorial ganha particular acuidade o apreço pela
gastronomia local enquanto categoria etnicamente diferenciada que funciona como
um marcador cultural de fronteiras étnicas em sentido positivo.





Quadro VI
Marcadores
culturais






Frequency


Percent


Valid Percent


Cumulative
Percent




Valid


Valorização de novos signos
culturais


10


15,6


15,6


15,6




Descaracterização cultural crítica


2


3,1


3,1


18,8




Reterritorialização cultural


1


1,6


1,6


20,3




Recomposição identitária


6


9,4


9,4


29,7




Enunciação das diferenças
culturais


2


3,1


3,1


32,8




Não responde


43


67,2


67,2


100,0




Total


64


100,0


100,0





Fonte:
Elaboração própria, a partir dos dados relativos aos pré-testes mencionados
(2009).

A dimensão interpessoal
ajusta-se à reinvenção de novas tribos, no seio de caracteres culturais que se
diferenciam. No entanto, esta categoria está fortemente marcada por uma
ausência de respostas (67,2%). Hipóteses explicativas para este facto poderão
estar relacionadas com uma ideia de deselegância na enunciação de diferenças
culturais de feição etnocêntrica.


4.5 – Dos
sujeitos com o ambiente socioeconómico – vantagens da mudança

No âmbito desta
categoria, verifica-se o peso acentuado da omissão de respostas (71,9%). De entre
os inquiridos respondentes, observa-se que os aspectos de carácter económico,
assinalados, se referem a vantagens como o custo de vida mais baixo e a uma
melhor qualidade de vida, em comparação com os seus países de origem (10,9%).


Quadro VII
Tipificação das vantagens da mudança.





Frequency


Percent


Valid Percent


Cumulative Percent




Valid


Dimensão instrumental


7


10,9


10,9


10,9




Dimensão social


2


3,1


3,1


14,1




Dimensão laboral


9


14,1


14,1


28,1




Não responde


46


71,9


71,9


100,0




Total


64


100,0


100,0









Fonte: Elaboração própria, a partir dos dados
relativos aos pré-testes mencionados (2009).

Já no que respeita à
dimensão laboral (14,1%), apontam sobretudo a facilidade na obtenção de
equivalências de habilitações académicas, o que, segundo os mesmos lhes
facilita imenso a acessibilidade ao mercado de trabalho.
4.6 – Dos
sujeitos com o ambiente socioeconómico – desvantagens da mudança
Com respeito às
desvantagens das mudanças, os inquiridos mostram-se mais reservados. Apenas 8%
alude à provisão de serviços e instalações, a existência de uma rede de
serviços de saúde pública e serviços médicos de qualidade em sentido negativo,
acusando a falta de acessibilidade a bens e serviços de saúde ou serviços
sociais deficientes, bem como à





Quadro VIII
Tipificação das desvantagens da mudança.





Frequency


Percent


Valid Percent


Cumulative
Percent




Valid


Dimensão
instrumental


3


4,7


4,7


4,7




Dimensão
social


5


7,8


7,8


12,5




Dimensão
laboral


2


3,1


3,1


15,6




Não responde


54


84,4


84,4


100,0




Total


64


100,0


100,0





Fonte: Elaboração própria, a partir dos dados
relativos aos pré-testes mencionados.

deficiência dos serviços públicos, em geral. Neste
contexto, 5% alude à falta de ritmo de trabalho e de pontualidade dos
portugueses, desvantagem porventura associada à apreciação relativa à falta de
qualidade dos serviços.

4.7 – categorias específicas negativas da vivência local
De entre os aspectos depreciativos, mais frequentemente citados, destacam
a incompetência e a desorganização associadas à escassa qualidade dos serviços
e dos seus prestadores, e a pulverização de serviços quando se trata de
resolver um só assunto (39,1%).

Quadro IX
Vectores depreciativos da vivência local






Frequency


Percent


Valid Percent


Cumulative Percent




Valid


Muita burocracia


18


28,1


28,1


28,1




Incompetência e desorganização


25


39,1


39,1


67,2





Concorrência empresarial desleal


2


3,1


3,1


70,3




Políticas económicas e sociais pouco eficazes


10


15,6


15,6


85,9




Massificação de certas zonas da região


5


7,8


7,8


93,8




Não responde


4


6,3


6,3


100,0




Total


64


100,0


100,0























Fonte:
Elaboração própria, a partir dos dados relativos aos pré-testes mencionados
(2009).



Também relacionada com
a escassa qualidade dos serviços prestados parece estar o problema do
crescimento urbano excessivo que tem caracterizado os espaços onde se obrigam a
tratar os seus problemas, normalmente as cidades do litoral, caracterizadas por
um estado de saturação turística. A primazia dos aspectos edificativos na
planificação urbana face aos equipamentos sociais faz com que seja habitual
encontrar manifestações deste género.
Também o excesso de
burocracia assume uma relevância particular e encontrará uma explicação fácil
se se atender a uma maior frequência de uso que a sua condição de residentes
supõe, ou por comparação com os modelos de funcionamento dos serviços nos seus
países de origem.
A relação dos sujeitos com o ambiente das instituições portuguesas
evidencia que nem sempre se encontra o que se vinha à procura. A vida dos
indivíduos apresenta, supostamente, problemas e dificuldades.




4.8 – Dos sujeitos com o ambiente político – institucional

A maior parte dos problemas que se
identificaram podem ser enquadrados em três tipos: os que se relacionam com as
relações de poder institucional, os de índole cultural e os de feição
económica.

Quadro X
Mudanças
preconizadas






Frequency


Percent


Valid Percent


Cumulative
Percent




Valid


Menos burocracia


11


17,2


17,2


17,2




Mais segurança


5


7,8


7,8


25,0




Mais planeamento e eficácia dos
serviços


14


21,9


21,9


46,9




Melhor sistema de saúde


3


4,7


4,7


51,6




Melhor sistema de educação


5


7,8


7,8


59,4




Mais civismo e mudanças de mentalidade


11


17,2


17,2


76,6




Melhor sistema de justiça


3


4,7


4,7


81,3




Valorização das tradições


2


3,1


3,1


84,4




Melhoria das condições de vida


10


15,6


15,6


100,0




Total


64


100,0


100,0





Fonte: Elaboração própria, a partir dos dados relativos aos
pré-testes mencionados.
No que respeita às relações com o poder
institucional têm um peso significativo quer o que designam de incompetência e
desorganização dos serviços, quer a asfixia que o sistema burocrático português
deixa antever, colocando-lhes dificuldades e incomodidades sérias, com tradução
nalguns aspectos da sua vida quotidiana.
À semelhança de muitos outros cidadãos não regularizados, e
apesar da obrigatoriedade legal de todo o residente se inscrever nos Serviços
de Estrangeiros e Fronteiras, há cidadãos que optam por não se registar para
evitar complicações fiscais, para não perder direitos de pensões ou,
simplesmente, porque desconhecem as referidas obrigações.
Já as questões que se prendem com a falta de
uma cultura cívica e a necessidade de adopção de mudanças de mentalidade actuam
como marcadores culturais de fronteiras étnicas, que funcionam como categorias
culturais de exclusão ou de resistência cultural, se assim se entender a forma
mais ou menos mobilizadora das diferenças culturais.
Por
certo que a melhoria das condições de vida se entronca nessa questão mais vasta
do imperativo de mudança de mentalidades. No fundo, a relação entre os residentes
e o “Algarve real” parece conter uma profunda ambivalência, como resultado das
tensões entre um espaço imaginado e um espaço vivido, com tradução num Algarve
costeiro associado ao fenómeno modernizador e internacionalizador e o Algarve
tradicional com os seus estereótipos.
No seu conjunto, o que estas questões podem deixam
pressentir é a criação de um espaço social peculiar dos neo-residentes para si
próprios entre, por um lado, os turistas e o turismo e, por outro lado, os
portugueses, e as normas de integração. Estas tentativas também produziram
construções de autenticidade e de normalidade, que desafiam concepções
tradicionais de investigação no âmbito do turismo.
No caso particular
deste estudo exploratório a região algarvia, enquanto espaço cruzado por
migrantes e turistas, observa-se que os diferentes
rótulos discursivos se mesclam com a própria lógica turística, fazem
sobressair, no mesmo espaço físico, espaços sociológicos múltiplos. Dir-se-ia,
com as devidas salvaguardas, e sem cair em extrapolações indevidas, que no
elevado número de omissões constantes nas respostas aos questionários, poderá
indiciar-se nalguma reserva mental, associada à criação desse mundo Outro, próprio de culturas
transplantadas, que migram para dentro e para fora da esfera turística.

Conclusões
Sem que, pelos seus
limites, esta incursão exploratória deixe de sugerir os devidos cuidados nas
inferências e ilações, dela sobressaem alguns elementos essenciais, a saber: o
neo-residencialismo não deve ser entendido apenas como mero rótulo habitacional,
consagrado ao lazer (podendo abrir-se, aí, um espaço à destrinça conceptual
entre second house e second home), mas também como um
importante e mais amplo projecto de acção humana, inscrito, à semelhança do
turismo clássico, na litoralização do Mediterrâneo, cuja compreensão e
significado são complexos. Nos seus afloramentos pairam motivações, ora mais
latentes ora mais explícitas, que vão desde uma lógica de sentido exploratória,
de cunho romântico, até ao consumismo hedonista do presente. Parecem ter em
comum a inscrição na matriz de um imaginário social construído com base um
modelo de vida mediterrânico imaginado, de cunho acentuadamente heliotrópico e feição
ecológica, que as regras do mercado imobiliário, por si só, não explicam.
Parte desse imaginário excêntrico
configura-se muito ligado ao domínio do tempo, num quadro de jogos de oposição a formas de regulação da
vida moderna, que têm no excesso de burocracia, da falta de segurança, na
ineficácia dos serviços, etc., paralelismos com o turismo se, em hipótese, esta
ou aquela estilização da experiência têm, como corolário comum, uma lógica de
inversão à “tribunalização”[16] da
experiência moderna.


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[1] Trata-se de
uma pesquisa embrionária, realizada em torno de um projecto mais amplo sobre as
culturas turísticas dos neo-residentes, em contexto algarvio, patrocinado pela
Fundação para a Ciência e a Tecnologia. No bojo
empírico do debate serão apresentados alguns dados resultantes de pré-estes
aplicados na zona dos Barões, num conjunto de 64 pré-testes, levados a
cabo por um conjunto de estudantes da ESGHT, nos meses de Abril e Maio de 2009,
nas localidades algarvias de Barão de S. João e Barão de São Miguel, no Concelho de Lagos, espaços que uma presença
significativa de neo-residentes fez com que comparecessem como locus empírico da pesquisa exploratória.
[2] Não é tarefa fácil,
sobretudo pela evidência de que um e outro têm sido objectos de reflexão em
campos diferenciados da pesquisa científica. Na verdade, enquanto o conceito de
turismo tem estado aprisionado, quer no imaginário popular, quer no âmbito
científico, por uma espacialidade circular lúdica, o de imigração tem vertido a
ideia de uma experiência sofrida, de pobreza e de provação.
[3] Esta questão que ganha
particular acuidade quando se trata de indagar a lógica de sentido do
comummente designado “turismo residencial”, em cujo rótulo parece inscrever-se
desde logo uma contradição entre o carácter nómada do turismo e um confinamento
regionalizador ou localista, que parece poder deduzir-se do termo residência.
[4] É nessa linha de
orientação, que se visa corroborar os estudos sobre turismo, que Franklin e
Crang (2001) avançam com a ideia de que os estudiosos desta experiência devem
procurar nexos com outras mobilidades, tais como as migrações e as diásporas, como experiências importantes para as formas
que conceituam o turismo.
[5] Na verdade, este
trabalho ao incidir num sector tão importante da população estrangeira
residente no Algarve, os cidadãos provenientes dos países da União Europeia (EU
15), encontra neles a definição dos limites da população objecto de estudo,
visando dotar de centralidade analítica a consideração do seu espaço social em
relação ao resto dos cidadãos estrangeiros, sustenta apenas, por ora, a sua
base empírica na aludida incursão no terreno, levada à prática pelos estudantes
da ESGHT.
[6] Por ora, e na forma de
entrevistas não estruturadas, a inquirição
dedicou um enfoque especial ao ponto de vista dos actores sociais
interpelados, sustentando escolhas
epistemológicas e metodológicas na relação sujeito/objecto na produção do
conhecimento científico que levam à tentativa da compreensão (Bourdieu, 2003)
do neo-residencialismo como categoria interna ao universo social pesquisado e à
realidade das pessoas abordadas, sem prejuízo de informações quantitativas que,
na trajectória da pesquisa, venham a ser colhidas.
[7] Admite-se, para efeitos
de operacionalização empírica, que existam algumas variantes expressivas neste
tipo de transmigração: a dos que vivem no estrangeiro preenchendo o seu tempo
através do uso regular de residências por 6 meses até um ano, quer sobre eles
se lance o espectro da “reforma migratória” ou não; os que condensam a permanência na região sem decorrência de
actividades profissionais e a dos que tendo visitado a região no decurso de uma
primeira visita turística adquiriram residência com carácter de permanência,
acabando por se incorporar ao domínio das trocas materiais.
[8] Alguns contornos desta
problemática terão sido objecto de afloramento por Williams et tal. (2000).
[9] Grosso
modo, observa-se que enquanto umas correntes privilegiam mais os aspectos de
desenvolvimento tecnológico, outras conferem enfoque principal às relações de
trabalho. De um modo mais preciso, pode-se dizer que umas se detêm, sobretudo,
nos aspectos do desenvolvimento das forças produtivas, o que inclui os meios de
produção (máquinas e instrumentos, tecnologia, energia) e a força de trabalho
(a capacidade não só física mas também intelectual das pessoas de produzirem
bens e serviços), enquanto outras discutem, sobretudo, as relações de produção,
isto é, as relações de propriedade das forças produtivas.
[10] Na verdade, ainda na década anterior, prevalecia a visão da mobilidade
voluntária como uma actividade trivial e periférica.
[11] A mobilidade como
paradigma da cultura contemporânea também está implícita nas afirmações de Marc
Augé quando, ao analisar a obra de Michel de Certeau, afirma que o viajante
é o arquétipo do não lugar.
Kaplan
(1986: 35) também confere um lugar central ao deslocamento quando afirma que
este funciona como mediação da relação paradoxal entre espaço e tempo, na
modernidade.
[12] No caso particular das
migrações, o termo alude a um dos fenómenos sociais mais importantes da nossa
era, quer pelas consequências planetárias, quer pelos seus efeitos regionais e locais.
As migrações constituem, como recorda o demógrafo Georges Tapinos, um processo
social, já que o seu prolongamento no tempo e extensão no espaço as diferencia
dos fenómenos demográficos correntes (com princípio e fim no momento em que
acontecem).
[13] De entre elas
destacam-se as transformações ocasionadas pela economia globalizada, as quais
levam à exclusão crescente dos povos do Terceiro Mundo e a sua luta pela
sobrevivência; as guerras, guerrilhas e o terrorismo internacionais ou
regionalizados; os movimentos marcados por questões étnico-religiosas; a
urbanização acelerada, especialmente nos países periféricos; a busca de novas
condições de vida nos países centrais, por parte de trabalhadores da África, da
Ásia e da América Latina; as questões ligadas ao narcotráfico, à violência e ao
crime organizado; os movimentos vinculados às actividades agrícolas, aos
grandes projectos de construção civil e aos serviços em geral.
[14] Quer um rótulo, quer
outro, inscrevem-se em “categorias de
pensamento instituídas”, consagradas
por instituições legitimamente habilitadas, que têm um peso particular aos
olhos de parcelas importantes da população e de que as Ciências Sociais se
devem libertar.
[15] Appadurai, A. (1988), “Putting hierarchy in its place”, Cultural
Anthropology, 3(1), pp.36-49.
[16] Corrobora-se aqui numa
noção ampliada de tribunalização, como sede de jogos antiestruturais
particularmente intensos na oposição às formas de regulação social da vida
moderna, e que na sua significação primeira traduz os efeitos do absolutismo da
teodiceia moderna, a que Odo Marquard alude: “ «Tribunalização» é o nome que
atribuo à ascensão e direcção na qual esta total legitimação/compulsão emerge
para toda a gente, por volta de 1750, através da radicalização da teodiceia, no
seio da filosofia da história”. Odo Marquard, Farewell to Matters of Principle, p. 49. Cf ainda com um trabalho
do mesmo autor, intitulado L` homme
accusé et l`homme disculpé dans la philosofie du XVIIe siècle, Critique,
n.º 413, Outubro de 1981.